Não há mais dúvida entre os historiadores do Rio Grande do Sul de que o Atlântico foi à ponte de ligação entre as culturas africanas e os demais continentes. Os negros que desembarcaram no Porto de Rio Grande traziam em seus corpos as marcas deixadas pelos navios negreiros, e em suas memórias sobreviviam elementos que mais tarde se tornariam o sustentáculo de nova vida em um continente precoce.
Passadas as comemorações de 13 de maio, data que no ano de 2011 marca 123 anos do fim do trabalho escravo, somado aos 350 anos de crueldade, a equipe do blog Gandaia decidiu apresentar interpretações distintas de como a cultura africana influenciou e foi influenciada nos folguedos pelotenses. Para isso, vasculhamos antigos documentos, analisamos velhas fotografias, estudamos informações dos remotos jornais pelotenses, escutamos as senhoras e senhores dos antigos carnavais “da Quinze”, e desta forma começamos a reconstruir os acontecimentos e fatos que fizeram parte da nossa história momesca.
A primeira manifestação carnavalesca que decidimos compartilhar com nossos leitores diz respeito ao Sopapo, um tambor grande, que proporcionou à cidade status no contexto carnavalesco. Quando comparamos o carnaval de Satolep com o carnaval de outras cidades do Brasil, percebemos algumas peculiaridades que garantem ao município o adjetivo de uma das melhores festas do interior do Rio Grande do Sul. Uma dessas características está ligada ao fator sonoro: tanto Pelotas quanto as cidades do Uruguai apresentam em suas baterias uma levada que é única, e apesar de termos o carnaval carioca como modelo, a cadência no interior do sul é outra e não diz respeito somente a forma que as passistas trabalham os movimentos dos seus quadris, mas, sobretudo ao ritmo do samba.
Inicialmente este instrumento foi identificado na narrativa de Carl Siedler, (viajante que visitou a cidade no ano de 1976) “como um pedaço de tronco oco revestido de couro e que necessitava ser transportado por, no mínimo, dois trabalhadores africanos. Esses mesmos negros curiosamente tocavam com os pés. O som era muito alto e forte e era escutado há três quarteirões de distância. O bumbum do tambor era acompanhado por um berreiro de alegria, além das negras que realizavam movimentos estranhos envolvendo o quadril, braços pernas, tronco”. (Ilustração 01)
O relato desse viajante confirma a hipótese levantada por alguns pesquisadores, como a do O Professor Doutor Mario Maia – UFPel – de que esse tambor teve sua reconstrução pelos negros que trabalharam arduamente nas charqueadas, e com o fim dessas fábricas de salgar, os tambores deixam de ser utilizados somente nos rituais sagrados e festivos que aconteciam no intervalo da produção do charque.
O tronco oco começa a ganhar novas formas, e a batuca mais intensidade nas esquinas Cruzeiros e nas Ruas da Freguesia de São Francisco de Paula, atual Pelotas. Os negros com suas danças e barulhos vão conquistando novos espaços de divertimento dentro de uma freguesia que primava pela cultura ocidental, e que na segunda metade do século XIX era apresentada como modelo de “civilização”.
A partir de 1923 proliferam na cidade a presença dos cordões carnavalescos, (ilustração 02) formados na sua maioria por ex-escravos e descendentes destes. Estes ranchos tiveram vida efêmera, todavia deram origem às Escolas de Samba que em meados de 1970 começam a utilizar os Sopapos nas suas baterias.
A imagem (cedida pelo acervo Digital da universidade Católica de pelotas), aborda os componentes do bloco agüente se puder no carnaval de Rua de Pelotas nos anos de 60. |
Na década de 60 através do músico pelotense Gilberto Amaro do Nascimento (Giba-Giba), a cidade de Porto Alegre, especificamente a escola de Samba Praiana, toma conhecimento desse tambor diferente. Giba-Giba é um produtor cultural que apresenta a preocupação de evitar o desaparecimento desse instrumento. Prova disso foi que entre os anos de 1999 e 2001 realizou na cidade de Pelotas o Evento CABOBU, uma tentativa de novamente trazer para o cenário pelotense o sopapo.
Recentemente o Coletivo Catarse (equipe de Jornalistas e comunicadores da cidade de Porto Alegre) lançou o documentário: O Grande Tambor, em parceria com o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial, do Instituto Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). O documentário de forma original e inédita narra a história do negro, do carnaval e do SOPAPO no Rio Grande do Sul.
O documentário será exibido no dia 29 de agosto no Auditório da ASUFPel (XV de Novembro, 262). Vale à pena conferir e saber um pouco mais sobre esse instrumento que, certamente, deverá estar presente nas comemorações dos 200 anos da cidade, uma vez que é impossível narrar Pelotas sem contar as influências que a cidade sofreu dos inúmeros povos que por aqui passaram.
Tom Bigorna,
Estudante de História-UFPel
Pesquisador da historia do carnaval
Tese de Doutorado de Mario de Souza Maia:
ResponderExcluir"Sopapo e o Cabobu: etnografia de uma tradição percussiva no extremo sul do Brasil"
http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/14346/000665258.pdf?sequence=1